"Numa sociedade inundada de legislação, são cada vez mais raros os cantos da nossa existência onde nos podemos esconder do longo braço do Estado, que insiste em tomar conta de nós. A gigantesca máquina burocrática alimenta-se a si própria produzindo regras, debitando leis, sempre, claro, para nossa protecção. Veja-se o caso dessa extraordinária Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), que no espaço de ano e meio se transformou no mais activo departamento do Estado português, numa orgia de fiscalizaçõesaltamente fotogénicas. A gente assiste e os sentimentos misturam-se. Por um lado, como criticar um departamento hiperactivo, que faz o seu trabalho - coisa tão rara em Portugal - em ritmo de alta competição? Mas, por outro, como aplacar esta insinuante sensação de exagero, de duvidoso fascínio mediático, de fiscalizações feitas à medida da televisão?
A intervenção de quinta-feira na lota de Setúbal, pelo que se viu, já teve todas as características de um excesso de zelo tão perigoso quanto a falta de controlo sobre os alimentos. Passo por cima da imagem de um inspector da ASAE de caçadeira e cara tapada, como se estivesse num perigoso bairro onde se trafica droga a céu aberto. Passo até por cima do conceito - mais do que duvidoso - de megafiscalização comemorativa, por ser dia do consumidor.Centro-me apenas na tese de quem apreendeu uma tonelada de carapau não por ele estar em más condições, mas por estar albergado em caixas de madeira que já antes tinham sido utilizadas. Nada percebo nem de carapau nem de caixas de madeira, mas o meu queixo caiu quando a senhora inspectora da ASAE afirmou que o peixe apreendido ia ser doado ao Banco Alimentar contra a Fome. Os pobrezinhos que o comam? Explicação: "O peixe tem condições para ser consumido, só não tem condições para ser comercializado." Ou seja, o peixe podia ser comido. Só não podia ser vendido para ser comido. Há momentos em que sentimos ter perdido o comboio da civilização. E que temos de voltar aos livros de Filosofia para entender tão subtis distinções. A senhora inspectora importa-se de repetir, mas devagarinho?"
A intervenção de quinta-feira na lota de Setúbal, pelo que se viu, já teve todas as características de um excesso de zelo tão perigoso quanto a falta de controlo sobre os alimentos. Passo por cima da imagem de um inspector da ASAE de caçadeira e cara tapada, como se estivesse num perigoso bairro onde se trafica droga a céu aberto. Passo até por cima do conceito - mais do que duvidoso - de megafiscalização comemorativa, por ser dia do consumidor.Centro-me apenas na tese de quem apreendeu uma tonelada de carapau não por ele estar em más condições, mas por estar albergado em caixas de madeira que já antes tinham sido utilizadas. Nada percebo nem de carapau nem de caixas de madeira, mas o meu queixo caiu quando a senhora inspectora da ASAE afirmou que o peixe apreendido ia ser doado ao Banco Alimentar contra a Fome. Os pobrezinhos que o comam? Explicação: "O peixe tem condições para ser consumido, só não tem condições para ser comercializado." Ou seja, o peixe podia ser comido. Só não podia ser vendido para ser comido. Há momentos em que sentimos ter perdido o comboio da civilização. E que temos de voltar aos livros de Filosofia para entender tão subtis distinções. A senhora inspectora importa-se de repetir, mas devagarinho?"
No comments:
Post a Comment